Auto dos Reis Magos - Como se fosse Gil Vicente

Imaginado, dramaturgicamente, por Helena Mendes Pereira no contexto de uma viagem, quase espiritual, a Israel e aos territórios da Palestina, por ocasião do Natal, este é um espetáculo que evoca a atualidade do texto vicentino, na análise sociológica e crítica de um território e de um contexto em confronto consigo mesmo.

Israel, Terra Santa ou metáfora de uma bomba relógio, é o epicentro teológico da Humanidade. Ali, com a justificação da defesa da profecia e da palavra de Deus, tudo se transformou e transforma num cenário de guerra permanente, inóspito para os seus cidadãos, na semiologia de um mundo parco de esperança. A possibilidade do nascimento de um rei, de um messias, de um profeta que poderá tornar o caos em ordem, como quem tornou água em vinho, mobiliza três Reis que também são Magos, e que simbolizam os três credos livrescos, em disputa e na marca da tal terra que, aos dias de hoje, de santa nada tem.

Gil Vicente é o nosso oráculo e, de certa forma, a réstia de humor no encadeamento de uma narrativa bruta e sagaz, que reflete a violência inata ao Homem, que se adensa com a possibilidade de poder, com a ganância e com a ausência de espiritualidade e, por isso, de fé verdadeira no transcendental. O que se acredita nada tem de divino mas apenas mundano, vil, é o escárnio e o horror do humano. O fim adivinha-se e este nosso mundo continuará no caminho do fim anunciado.

Não adianta cumprir rituais, frequentar missas e fazer rezas com fervor. O bem está dentro de nós e no que, desse dentro, tornamos em atos, muito mais do que em apenas palavras.